sábado, 4 de setembro de 2010

Nostalgias de um assessor # 1


Sim, eu ainda era um menino. Para mim, o trabalho, como algo remunerado, era uma grande novidade. Desde a primeira ligação, quando o rapaz do outro lado da linha - hoje, um amigo muito querido - falou o nome de uma empresa em inglês. Achei que devia ser algo grande.

Era uma segunda, em fevereiro de 2003. Comum naquela época do ano, chovia muito. Mas, preocupado com o primeiro dia de trabalho, cheguei cedo. Bem cedo. Na verdade, fui o primeiro a chegar, atrás apenas da moça que fazia a limpeza. Ela pouco falou comigo, além de um rápido 'bom dia' ou um 'bem-vindo' qualquer. Fiquei, então, sozinho na empresa que começaria. Pequena. Eram apenas três cômodos, uma recepção e três banheiros. Devia ter algo como 100m2.

Mas eu não me esqueço do cheiro quando entrei.

Um misto de carpete novo, com papel. Cheiro de limpeza. Olhei ao meu redor e, enquanto as trovoadas corriam do lado de fora da janela, atentei para o gaveteiro: quatro gavetas de inox, bem arrumadas. Na primeira, a etiqueta "BRANCO A4". Na segunda, "BRANCO CARTA. A terceira tinha "RASCUNHO A4" e a última, "RASCUNHO CARTA". Achei aquilo o máximo. Pena que nunca tirei foto.

Nos armários, vários brindes de clientes. Em especial, da Discovery e Kodak. Um deles me chamou a atenção. Uma reprodução de uma caixa de remédio, em frasco, porém enorme. Era na verdade um press kit do extinto canal Discovery Health. Ao lado, havia flyers de "câmaras" (sim, era ordem do cliente) fotográficas da Kodak - que ainda eram mescladas entre tradicionais e digitais.

Os computadores eram enormes. IBM, creme. Os teclados traziam aquele suporte para o braço, que se acoplava na parte frontal do periférico. Os mouses ainda não eram ópticos. As mesas, da Tok&Stok, assim como a maioria da mobília. Partes em laranja, cor preferida de uma das funcionárias da época.

Na sala de reunião, duas mesas que ficavam unidas. Suas pernas eram de inox, ou aço, algo assim. Ficavam rapidamente com marcas de dedos. Na parede, uma estante continha uma TV de 21 polegadas. Ao lado, um quadro indicando um prêmio de critério duvidoso. Ali ficavam os armários, também laranjas. Quase sempre as chaves emperravam na hora de abrí-los - mesmo sendo novos.

Do outro lado do escritório, um recipiente de água padrão. Quando cheguei, ele ainda ficava no meio do "salão". Quando foi para o canto, era uma alegria a mais para os homens da firma. Sim, a empresa ficava ao lado do hotel Renaissance, na Alameda Santos. E, do ponto de vista da janela em frente à água, era possível ver a piscina do hotel. Precisa dizer mais?

No começo, eu não tinha computador. Então, usava o servidor. Sim, era uma máquina maior que as demais, mas que ficava ali mesmo, como se fosse outra qualquer.

Meu primeiro almoço foi em um restaurante por quilo, tradicional. Chamava-se "amarelinho" ou algo assim. Fui com a pessoa que comprou os móveis - mencionada antes. Nunca mais voltei ao restaurante, mas a colega tornou-se uma das minhas mais importantes amigas.

A maior sala era da chefe. Na verdade, era tão grande que tinha quase o mesmo tamanho do resto do escritório. Pelo menos era o que a gente dizia, nos corredores, na época. A mesa da chefe também era mais bonita, toda em vidro, com pernas em inox ou aço. A cadeira, era branca e longa, muito confortável, mas não reclinava (sim, eu a experimentei anos depois). A nossa cadeira era da Giroflex. Reclinava bastante, achava o máximo.

Na minha primeira semana lá, um colega me avisou que, se eu quisesse escrever, estava no lugar errado. Dois dias depois, ele saiu. Nunca mais vi.

A chefe também não estava quando eu fui contratado. A primeira vez que a vi foi quando ela voltou de férias. Chegou com malas e cheia de coisas na mão. Olhou rapidamente para mim e para outro funcionário que também era novo. Deu um "oi", sorriu com os olhos e entrou para a sala dela.

Uma vez a chefe resolveu ouvir Elvis. Sim, ela sempre gostou de colocar discos para tocar no meio do expediente (os all time hits eram "Cruising Together", "Keep it Coming, Love" e "We just Don't Care"). Sempre gostei. Mas, naquele único dia, foi Elvis. O disco escolhido era ELV1S 30#1 HITS, um comercial da ocasião.

Fiquei surpreso quando ouvi os primeiros acordes da faixa inicial, "Heartbreak Hotel". Mas imaginei que ela dificilmente ouviria o disco inteiro. Se sobrevivesse à pior faixa do CD, "Trouble", talvez existisse uma chance, pensei.

Não deu outra.

No meio de "Trouble", se não me engano a faixa 8, a música subitamente parou. E foi a última vez que ouvi uma música de Presley saindo daquela sala.