As pessoas adoram dizer por aí que São Paulo é uma relação de amor e ódio. A Folha, de tempos em tempos, publica pesquisas sobre esse envolvimento do paulistano com a cidade. Não vou ser hipócrita aqui, apenas honesto. Não odeio 100% São Paulo, mas chega muito perto disso. Infelizmente, fiz minha vida nessa cidade que cheira mal e, hoje, fica difícil sair e deixar tudo - e todos - pra trás. Sem demagogia? Se odeio tanto São Paulo, o que ainda faço aqui? Me falta coragem, oportunidade, algo que consiga me mover. A verdade é essa. Mas isso não esconde o que verdadeiramente sinto. Aliás, muito do que falo aqui vale para o Brasil.
São Paulo é terrível. É uma cidade feia. Como falei, cheira mal. Mas o que mais incomoda em São Paulo não é culpa apenas de São Paulo. É culpa do Brasil também. É a demora com que as coisas acontecem. Tudo aqui leva anos para ficar pronto. Em alguns casos, décadas. Veja o caso do Largo da Batata. Desde que sou criança aquele trecho da cidade está em obras. Agora, parece que vai acabar. Lá se vão vinte anos!
Irrita a falta de planejamento da cidade. Como as coisas parecem acontecer de qualquer jeito. É fato que hoje as autoridades parecem se preocupar um pouco mais com isso. Mas o que já foi feito, dificilmente dá pra remediar. Tome Paraisópolis como exemplo. Uma das maiores favelas da cidade (já ouvi que é a maior) no meio de um bairro de classe média alta. Violência por lá é comum. Coisa do cotidiano. Trânsito, também. Porque, com o aumento da violência, as casas somem e dão lugar a prédios. E, onde antes havia quatro ou cinco carros, há agora 300 veículos. E a falta de planejamento salta à vista. O Morumbi é um típico exemplo de como a cidade não se preparou minimamente para crescer.
A Avenida Giovanni Gronchi está saturada. Há muitos e muitos anos. As ruas paralelas, usadas como vias de escape, também. A Giovanni é rigorosamente é a mesma desde que foi construída. Na ocasião, meados dos anos 1950, o Morumbi era tão longe que NINGUÉM da Prefeitura pensou, em algum momento, que aquele bairro poderia um dia se tornar populoso. E isso irrita demais. Em Buenos Aires, na nossa vizinha Argentina, isso não acontece. As avenidas são largas. Oito, nove, 10 faixas de cada lado da avenida. Qual a dificuldade para que São Paulo possa fazer o mesmo? Sério, é tão complicado assim? Somos menos inteligentes que os argentinos (e não estou colocando aqui nenhuma rivalidade, é apenas uma pergunta retórica)?
Talvez o maior símbolo da falta de planejamento de uma cidade, no maior sentido da palavra, sejam os postes. Parte do nosso dia dia, das nossas vistas, eles são ignorados pela maioria das pessoas. Mas estão ali, como troféus do descaso, como lembranças incessantes de que, nesta cidade, pouco ou quase nada se faz - ou fez - para prever o futuro.
Os postes de São Paulo não são postes comuns. Como diz um amigo meu, são verdadeiras usinas elétricas. Dezenas de fios emaranhados, jogados, se entrelaçam correndo pelas vias, ligados em casas, prédios, favelas, misturados sobre árvores que ficam em calçadas esburacadas, apertadas, com camelôs, lixo na rua e cidadãos que não respeitam o trânsito.
Aqueles postes fazem mais do que deixar a cidade feia, mais vulnerável a quedas de luz e acidentes com pipas ou afins. Eles fazem a gente lembrar, todo dia, em nosso caminho para o trabalho, que esta cidade provavelmente nunca terá jeito. O prefeito Haddad falou, este ano, que quer remover a fiação da cidade. Isso vai custar milhões. É louvável que o prefeito fale isso, e eu torço fervorosamente para que ele consiga realizar a promessa. Mas não conseguirá. Porque em São Paulo (e no Brasil), tudo demora. E quatro anos (ou oito) é muito pouco para ele resolver esse problema. Até porque há outros problemas, muito maiores e mais significantes do que enterrar fios de poste.
São Paulo é um poço sem fim de problemas. E parece que todos eles emperram em uma máquina velha, sem manutenção, que é o sistema. O sistema tributário. Com preços ridículos, mescla de impostos abusivos e lucros exagerados. O sistema de esgoto. Com rios que fedem e envergonham o paulistano e bairros ricos que despejam seus dejetos em qualquer lugar. O sistema de trânsito, que tem obras superfaturadas que já nascem velhas e motociclistas que não sabem o que é respeito. O sistema de segurança, em que 37 estupros por dia passam diante dos olhos em notícias no elevador e quase não causam espanto. Ou que ir a um restaurante é um risco de assalto duplo - seja pela casa, com seus preços que estão entre os mais altos do mundo -, ou pelos bandidos, que fazem arrastão livremente.
Eu já desisti de São Paulo. Claro, ainda faço minha parte. Ainda atravesso na faixa, aproveito a cidade, jogo o lixo no local correto e tento, na medida do cidadão normal, cooperar com o trânsito. E louvo aqueles que fazem o bem pela cidade. Admiro, quase invejo. Mas minha desesperança é tanta, tamanha, que parece não ter volta. Penso em ter filhos, sim, mas tenho medo de criar alguém que irá conhecer esse local mundano, sujo, que infelizmente é o centro de negócios mais importante do País. Maldita São Paulo.