Ótimo texto de Cynara Menezes, enviado por Natália Fava para mim
MAKTUB-SE QUEM PUDER
OU A ARTE DE SE LIVRAR DOS PROBLEMAS SEM RESOLVÊ-LOS
Os problemas são a mais democrática das instituições. Não poupam ninguém: pobre ou rico, anônimo ou celebridade. Quando você pensa que está indo tudo às mil maravilhas, tcharã... surge um problema! Enfrentá-los é uma arte. Tem gente que prefere sentar e chorar à mera aparição de um deles, sentindo-se a pessoa mais azarada do mundo. Outros simplesmente fingem que nada está acontecendo.
Por mais amalucado que pareça, há várias técnicas para fugir dos problemas. Uma delas é a de jogar para Deus: você perdeu o emprego, está devendo grana no banco, sua namorada tá dando mole praquele amigo bem-sucedido, seu cachorro adoeceu, sua unha encravou e está doendo pacas. Aí você diz pra si mesmo: “Quer saber? Vou jogar praDeus!”. Não adianta nada, mas dá uma paz...
Uma maneira ótima de evitar resolver questões importantes é passar a aplicar os desígnios do destino aos acontecimentos do dia-a-dia. Por exemplo: você perdeu aquele concurso para o qual estudou meses a fio,deixando de dormir noites seguidas e que lhe rendeu uma gastrite de tanto nervoso. “Ah, era o destino!”, você pensa. E deixa pra lá.
O bom de praticar o maktub (“assim estava escrito” em árabe) como um mantraé que você deixa de ter decepções. Por que arrancar os cabelos se estava escrito antes de eu nascer que ia ser assim? O maktub é uma maravilha que pode ser usada do mais reles chulé à morte de um ente querido.
Veja: você chegou a uma lanchonete seco para tomar uma Coca, mas só tinha Fanta. Em vez de se aborrecer perguntando no boteco ao lado, você aceita: tudo bem, é o destino! Deu uma mancada daquelas e perdeu a mulher da sua vida? Maktub, ué. Nem pense que teve participação naquilo. Era o d-e-s-t-i-n-o.
PERSONAL PROBLEMATOR
É muito reconfortante pensar que fios invisíveis nos conduzem até os problemas (e até a solução deles) sem que nada do que façamos interfira. Lá em cima, as mãos do grande manipulador de marionetes é que estão guiando tudo... Responsabilidade zero pra nós.
Outra estratégia de fuga é criar frases engraçadinhas, mostrando ser superior às adversidades. Foi demitido? Arqueie a sobrancelha e filosofe: “O único defeito do desemprego é a falta de dinheiro”. Uau! Está napindaíba porque gastou mais do que ganha? Diga: “Resolvi meus problemas com o banco. Cada vez que meu extrato aparece na tela eusimplesmente viro o rosto”. Gênio.
Há mais truques: ligar o botão do foda-se; sentar em cima dos problemas; enfiá-los no congelador; deixar pra resolver depois das férias; empurrar com a barriga... Qualquer dia desses alguém inventa um“personal problemator” para resolver os problemas em nosso lugar. Vai ficar rico.
Invejo quem consegue virar avestruz diante de um problema. Eu nem consigo dormir até que os resolva, como uma equação difícil do segundo grau. Vi outro dia uma frase da escritora Patricia Mello no filme O Homemdo Ano (baseado em seu livro O Matador):“A vida é uma coisa engraçada. Ela vai sozinha, como um rio, se você deixar. Você também pode botar um cabresto, fazer da vida o seu cavalo. A gente faz da vida o que quer.Cada um escolhe sua sina, cavalo ou rio.”
Não dá pra ser rio diante de um problema. Pelo menos não dos quedependem de nós para serem resolvidos. Tem coisas sobre as quais nada podemos fazer a não ser torcer: um caso de doença na família, um amigo deprimido ou a fome no mundo. Outras dependem de mexermosos pauzinhos - e não o destino. Sabe esse lance de “deixa a vida me levar”?
Só funciona em letra de pagode.
Um comentário:
Gostei muito do texto Rabbit..
Já sabe o que penso dos seus escritos, não é mesmo?!
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