sábado, 14 de julho de 2007

(reprodução de matéria minha na edição de julho da Revista CRASH)

A Vida Como ela é (ou como gostariam que fosse)

Desde o início dos tempos, o ser humano sonha com o ideal. Traduzindo a idéia para os dias de hoje, buscamos o(a) companheiro(a) ideal, o carro ideal, a casa e o emprego dos sonhos. No entanto, essa difícil idealização sempre tromba com a realidade que cada um vive em seu dia-a-dia: imperfeições, broncas do chefe, vazamento de água no banheiro e espinhas no dia "daquela" balada.

O sonho de viver uma vida perfeita começou a tomar forma quando a Linden Lab foi criada. O ano: 1999. Naquele momento, Philip Rosedale, um antigo executivo da Real Networks, apostou em um sistema 3D onde ele pudesse criar o seu mundo. Sete anos depois, o mundo já não é mais exclusividade dele, e o Second Life conta com residentes de mais de 100 países ao redor do mundo.

Calma lá Para você, que não entendeu do que estamos falando ainda, vai uma explicação: O Second Life, como diz o nome em inglês, é uma segunda vida. Nessa vida, você cria um personagem, chamado de avatar. Ele terá nome, sobrenome, e…vive! Não, o Second Life não é um jogo, com fases a serem vencidas e missões; é uma vida alternativa.

O dicionário define avatar como processo metamórfico; transformação, mutação. E é mais ou menos isso. O avatar, no SL, costuma ser sempre a versão idealizada de seu criador real. Talvez por isso, quando se passeie por lá, existam tantos homens “bombados” e mulheres saídas de um desfile de modelos – claro, nem tudo são flores, e você precisa suar pra melhorar sua aparência também no SL, como veremos mais abaixo.

A definição do Second Life é simples: um metaverso. Sacou? Não? Pois um metaverso nada mais é que um universo alternativo, ou seja, um mundo paralelo onde você pode ser você mesmo, ou (na maioria das vezes) uma pessoa – teoricamente – mais interessante.

The Sims Ao entrar no Second Life, a comparação com o famoso game The Sims é inevitável – a começar pelos gráficos, relativamente parecidos. Porém as semelhanças acabam aí. “Second Life é melhor pois você interage com pessoas reais, e não com o computador”, ressalta Wendell Raphael de Oliveira, 17, moderador da comunidade Second Life no Orkut, a “oficial” sobre o metaverso. Atualmente, são mais de 20 mil membros na comunidade. Wendell considera-se um “veterano” na vida secundária. O usuário já está lá desde 2004, e modera com orgulho a comunidade. “Já criei um tira-dúvidas com mais de 100 perguntas, mas mesmo assim surgem questões novas todos os dias”, afirma.

Como brasileiro é mesmo chegado a uma novidade tecnológica que envolva relacionamentos – vide a matéria sobre o próprio Orkut na última edição da CRASH – não demorou muito para o assunto começar a chegar por aqui. Foi quando a Kaisen Games, ao lado do IG, decidiu comprar os direitos do site para o Brasil. Com a aquisição, o país foi o primeiro – após os Estados Unidos, logicamente – a ter uma entrada exclusiva ao site. O lançamento, prometido para o fim de 2006, só aconteceu em abril deste ano. Hoje, já é possível fazer até compras em reais.

Compras? Sim. Embora seja possível viver e se divertir gratuitamente no SL, também dá pra gastar – e ganhar – dinheiro. Isso explica, aliás, a entrada de várias empresas no metaverso. Os investidores apostam no sucesso do SL no Brasil. Atualmente, o SL já envolve mais de 200 mil habitantes brasileiros, de um total de 6 milhões de internautas. “O SL está modificando a maneira como as pessoas se relacionam na rede”, diz Emiliano de Castro, diretor de marketing do grupo responsável. Embaixadas virtuais são criadas. Já existe até uma sede do PSDB por lá. Universidades, sites de notícias e revistas têm suas versões no metaverso: onde isso vai parar?

Câmbio Flutuante As entradas de tantas empresas e corporações acabam criando a falsa impressão de que o SL é uma mina de ouro para qualquer pessoa fazer a vida – seja virtual ou real. “Conheço muita gente que gasta mais lá do que cá”, diz Wendell. A versão nacional do SL permite compras em reais, que são convertidos para a moeda “local”, o KC$ (Kaisen Cash), facilitando a vida dos usuários – antes, era necessário comprar Linden Dólares. Até o fechamento da edição, um real comprava 1000 KC$ - mas, com a queda do dólar, tudo pode acontecer.

Piadas à parte, apesar do dinheiro rolar solto, Wendell, como um usuário experiente, alerta para as dificuldades por lá – pelo jeito, a crise não rola só por aqui. “Assim como na vida real, conseguir emprego no SL também é complicado”. As barreiras, inclusive, dão chance para que os crimes também aconteçam no mundo virtual. Já há notícias de drogas virtuais, assalto a carros, golpes e até estupro no SL.

Isso, porém, não tira os brasileiros da tela do computador. Assim como o Orkut e o You Tube, o Second Life parece ser a próxima onda. E alguns chegam ao extremo para trazer o avatar o mais próximo possível do mundo real.

“Aproveito as oportunidades que vão surgindo ao longo de minha vida”, diz Sofia Platthy, um avatar do Second Life. A personagem, desempregada, chama a atenção pela beleza. Loira com o cabelo escorrido, olhos azuis brilhantes, um corpo escultural. Sofia possui um perfil próprio no Orkut, onde exibe suas formas na banheira no seu álbum de fotos. Entre os amigos, somente avatares. Ela também possui MSN, onde se comunica com mais residentes do SL. Sofia, que para se virar no metaverso faz bicos como “acompanhante”, quase nada tem a ver com sua criadora real, que se identificou como Cacau. A “dona” de Sofia fica até 3 horas por dia em frente ao computador. “A vida de Sofia gira em torno daquilo que não é possível na minha”, confessa a internauta.

Esse tipo de comportamento é normal? Para uma especialista em psicologia, que preferiu não se identificar, o problema maior ocorre quando a vida no virtual começa a se tornar mais importante que a real. Claro, tudo pode acabar se tornando uma grande moda, algo habitual no mundo da Internet. Na busca pelo ideal, as pessoas fazem como Sofia, e buscam os que lhe falta do lado de cá da tela. “Imagine quantas beldades no SL não são, na verdade, homens”, alerta Wendell, que jamais tentou um relacionamento sério no SL por conta do receio. Sofia, por exemplo, está atrás de um namorado.

Alguém se candidata?

INVADIMOS O SECOND LIFE

Enquanto o conselho editorial da CRASH avalia se vale a pena criar uma edição da revista no mundo virtual (risos), eu estive pelo Second Life durante alguns dias. A entrada, porém, não foi tão simples como eles alardeiam. Apesar de um computador relativamente bom em casa, tive de recorrer a um MAC de um colega. Minha placa 3D, apesar de moderna, não era compatível com os requisitos mínimos do sistema.

Superada a primeira barreira, entrar no Second Life não é complicado. Basta acessar o site
www.secondlifebrasil.com.br, ir em ‘cadastre-se’ e escolher um nome – os sobrenomes são fixos, e há uma lista deles disponível. Para evitar sobrecargas, o site aceita um número máximo de inscrições por dia. Isso significa que, para este repórter, só foi possível o cadastro após uns bons dias de tentativa. Também é necessário fazer o download do “client” (leia-se software), que tem cerca de 10mb.

Para os muquiranas de plantão, é bom lembrar que é possível usufruir do metaverso sem pagar por isso. Apenas pagam quem quiser bens “materiais” por lá, como ilhas, tênis, celulares e carros, entre outros.

Com o nome de Todd Holmer, finalmente comecei a circular pelo SL, e pude saciar um pouco minha curiosidade. O começo é interessante, e há uma lembrança imediata do The Sims, embora o ponto de vista do game seja melhor. O mundo do SL é todo dividido em ilhas. Os mais ricos podem até comprar uma. Não sei bem em que ilha estava quando comecei, mas tive minha primeira decepção com a velocidade do metaverso. Apesar de um belo Mac em mãos, sem uma conexão à internet decente – o que justamente era o caso -, o movimento do personagem é lento e irritante. Na ilha, as pessoas andam de cá para lá. Vê-se de tudo: punks, carecas e góticos. A grande maioria, claro, é de jovens, homens e mulheres, extremamente atraentes (segundo o padrão de beleza em que estamos hoje). Claro, a beleza também é relativa por conta dos gráficos, que deixam um pouco a desejar.

O grande barato quando se está no SL pelos primeiros minutos é clicar no botão “voar”. Isso mesmo, voar. O SL realiza um dos maiores sonhos do homem, e com apenas um clique, você sai voando pelos quatro cantos livremente – claro, só é preciso tomar cuidado para não trombar em ninguém. Mas as maiores surpresas ainda estão em solo.

Como por exemplo, quando vi uma moça vagando “da maneira que veio ao metaverso” (ou seja, nua). Minha curiosidade, digamos, jornalística, foi inevitável, e tive que puxar um papo com ela. A conversa foi breve, já que outros homens lutavam por sua companhia. A razão da nudez era simples: ela procurava roupas novas pra comprar.

Apesar dos problemas, o Second Life é a melhor forma que os humanos encontraram até hoje de tentar idealizar suas vidas. Viver um mundo perfeito, onde tudo é o ideal, a beleza é perfeita, as pessoas não morrem, não sentem sono nem fome.

Na década de 1950, Nelson Rodrigues publicava semanalmente sua coluna no jornal “A Última Hora”. A coluna, chamada de A Vida como ela é, rendeu diversos livros e até hoje é tema em especiais de televisão, teatro e cinema. Nelson, falecido em 1980, infelizmente não teve tempo de ver a bolha da Internet, que gerou fenômenos como o Second Life. No entanto, mesmo meio século atrás, ele conseguia vislumbrar a vida de forma real, em seu cotidiano mais puro e impreciso.

Agora, chegam as notícias de que crime, drogas e desemprego chegam também ao castelo de areia virtual do SL. Pena. O escritor daria boas risadas ao saber disso.

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