É difícil analisar um álbum que, na verdade, foi criado originalmente para servir de suporte a um verdadeiro show de luzes, acrobacias e pessoas da estrutura do Cirque Du Soleil. A música que acompanha esses shows é, na verdade, uma trilha sonora que é inteiramente concebida para ser perfeitamente sincronizada com cada momento da apresentação ao vivo.
Mas, como a maioria de nós, mortais, não pretende ir para Las Vegas em breve, nos resta analisar apenas o CD Viva Elvis, do circo citado, e que serviu de trilha sonora para o show homônimo.
Para começar, fica claro que Viva Elvis, o show, foi inspirado no espetáculo Love, dos Beatles, um sucesso mundial. Só isso já faz o esquema todo perder alguns pontos. Não é de hoje que o marketing do quarteto de Liverpool está alguns passos à frente do feito para o Rei do Rock.
A segunda decepção aparece com o número de músicas. Apenas 13 faixas estão no disco. Duas (Love Me Tender) são repetidas. E três são curtas, apenas introduções ou interlúdios. Ou seja, restam 10 faixas para realmente curtir.
Qualquer DJ ou músico atual sabe a dificuldade que é mexer em versões de Elvis Presley. Nos últimos anos, a Sony BMG apostou nessa ficha com Presley. Tudo começou com a bem sucedida A Little Less Conversation, um lado B do cantor que foi hit mundial graças a uma campanha durante a Copa do Mundo de 2002. Depois disso, a escolhida foi Rubberneckin´, uma boa música de 1969. O sucesso não foi o esperado.
A terceira tentativa, em 2008, foi com as músicas natalinas do Rei. Elvis Christmas Duets foi o primeiro álbum dueto do artista – neste caso, apenas com cantoras do cenário country norte-americano. Além das vozes femininas, todo o instrumental foi refeito. O resultado foi satisfatório.
Agora chega Viva Elvis, o álbum, em lançamento mundial. Segundo o responsável pelas novas versões da música (não lembro o nome dele agora), esta seriam as músicas de Elvis se fossem gravadas atualmente. Bem, Viva Elvis é um disco cheio de erros e com alguns acertos – acertos que, é verdade, quase compensam o álbum todo.
Mesmo os mais entusiastas dos fãs de Presley não poderão negar que não faltou pesquisa. As músicas incluem diálogos raros de Elvis, entrevistas, trechos de diversas músicas e gritos, murmúrios ou gargalhadas do cantor. Pelo menos houve esforço.
Inicialmente, vamos a uma análise mais detalhada, faixa por faixa. Após isso, o veredito final (se você estiver com pressa, já vá para o resumo no fim do texto).
Opening – uma ótima sacada começar o show com o tema de “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Como muitos sabem, essa era a maneira de Elvis iniciar seus shows durante quase toda sua carreira na década de 1970. A abertura é cercada de inserções de vozes do próprio Elvis, retiradas de outras músicas e até de filmes. Para o fã, dá uma boa impressão, como falei: mostra que os responsáveis pelo disco pesquisaram.
Blue Suede Shoes – Elvis voltou aos palcos, após anos fazendo apenas filmes, em 1969. Na ocasião, escolheu Blue Suede Shoes, um antigo hit, para abrir as músicas. Porém, não espere nada parecido aqui. Todos os instrumentos originais foram retirados. Ficou apenas a voz do cantor. A nova Blue Suede Shoes talvez não agrade os fãs ou os defensores do tradicionalismo, mas não há como negar que a música ficou repaginada e atual. Uma gaita muito bem tocada combina com uma guitarra mais pesada e uma bateria forte. Só ficou a voz de Presley. Vale a pena e é uma boa abertura.
That’s All Right – Essa já é um pouco mais complicada. That’s All Right é considerada por muitos especialistas o marco zero do rock’n roll. Gravada em 1954, praticamente um monumento do rock. Mexer com uma gravação dessas pode ser uma heresia, não importa o que façam. No entanto, para quem não se importa com nada disso, o resultado também ficou bacana. Alguns instrumentos originais foram mantidos. Embora a voz de Elvis seja da versão original, eles a misturam com versões ao vivo do cantor, e a introdução foi tirada da famosa versão acústica de 1968. Se ficou pior que a original? Acho que sim. Mas é bem mais provável que esta consiga animar uma festa, enquanto a de 1954, nem tanto.
Heartbreak Hotel – Aqui eles acertaram bastante o ponto. A música ficou bem mais moderna, mas sem perder a essência. Mesmo quase 50 anos após a gravação dessa música, instrumentos como o piano foram mantidos, o que mostra o impressionante poder que essa canção teve na época que foi gravada.
Love Me Tender – O primeiro grande erro do disco. Pessoalmente, eu acho que Love Me Tender jamais deveria ser incluída no set list. É uma música íntima, gravada apenas com voz e violão, e que foi perfeita daquela maneira. Qualquer tentativa de atualizar uma música como essas soará como uma grande ofensa. Até hoje, aceitei apenas uma versão de Love Me Tender: a de Tony Bennet, gravada ao vivo em um tributo a Elvis, em 1994.
O erro fica ainda maior pois, junto com Elvis, está uma cantora. Honestamente, não me dei ao trabalho sequer de saber quem é. Simplesmente não combina. Elvis entoa os versos dessa canção quase suspirando. A voz feminina inserida não mostra relação alguma. Absolutamente descartável.
King Creole – No Brasil, essa música, que dá título ao filme homônimo de 1957, não é tão conhecida. O resultado do trabalho deles ficou bastante interessante. O baixo, que dá vazão à música, ficou bem mais forte, vivo e presente. O solo espichou um pouco, mas manteve o mesmo estilo. Talvez a única crítica à música sejam as vozes femininas que acompanham Elvis no refrão. Elas não só cobrem a voz dele, como mudam o tempo original da canção. Mas, de novo, para quem não é fã, ficou bem mais interessante. Ponto.
Bossa Nova Baby – Definitivamente a melhor música do disco. Não há o que questionar aqui. Consegue superar a versão original, de longe. A voz de Presley ganhou força, assim como todo o conjunto da música. Dançante, empolgante, rítmica, agitada. Bossa Nova Baby foi composta nos anos 1960, e mostra um pouco a ignorância dos norte-americanos, que usaram o título de bossa nova em uma canção que nada tem a ver com o ritmo brasileiro. Mas, curiosidades históricas à parte, levante e dance. Vale muito a pena.
Burning Love – Após a energizante bossa nova, Burning Love deveria acompanhar o ritmo. Mas não consegue. Ainda prefiro a versão original. Não ficou ruim, mas é relativamente fraca.
Memories – Seria interessante ver como ficaria uma versão moderna de Memories, um clássico do 68 Comeback Special. No entanto, a faixa, instrumental, é apenas uma introdução para a catástrofe maior que vem a seguir.
Can’t Help Falling In Love – Uma obra-prima das baladas românticas, e totalmente arruinada. Os produtores de Viva Elvis resolveram mexer em um dos maiores sucessos de Presley e simplesmente a destruíram. Primeiro porque, assim como Love Me Tender, não há como melhorar a versão original, de 1961. Segundo, porque novamente adicionaram uma voz feminina. Que, além de não acertar a letra da música, não segue o estilo original gravado pelo cantor. O resultado é uma música sem identidade, que começa lenta, apenas com o violão, mas absorve uma bateria eletrônica, uma cantora aguda demais e não diz a que veio. Presley interpreta a canção como uma balada calma e com tons havaianos. A moça do dueto acha que está cantando com Mariah Carry. Confesso que tive dificuldades de ouvir até o final.
You’ll Never Walk Alone – Muitos não sabem, mas a faceta religiosa de Elvis Presley era poderosa. O artista gravou vários álbuns gospel ao longo da carreira, que lhe resultaram em prêmios Grammy. Porém, alto lá. Esse verdadeiro hino espiritual também é apenas uma introdução para a faixa seguinte. Lamentável.
Suspicious Minds – Eis uma música interessante. Diferente da maioria das anteriores, ela foi gravada em 1969, quando o cenário musical já era um pouco mais semelhante ao atual (se comparado com o fim dos anos 1950). Eu gostei. Bem diferente da versão original, com algumas mudanças no tempo da música e uma batida interessante.
Love Me Tender 2010 - Suspicious deveria ser a última selecionada, mas como não se deram por contente, resolveram incluir outra. Ah, mais um dueto. Agora com a cantora latina Thalia. Bem, minha opinião permanece. Mas a Thalia pelo menos foi mais sutil em sua interpretação e ficou mais próxima da versão original. Não vale a pena, mas não é uma tragédia.
Resumo
O que fica? Bem, Viva Elvis não faz nem cócegas ao disco que, originalmente, o inspirou (Love, dos Beatles). São poucas músicas e, quando você começar a se animar, já terá acabado. Ainda assim, é um trabalho válido e uma nova forma de ouvir algo velho. Claro, o resultado deve ser muito melhor quando inserido a uma apresentação em Las Vegas do Cirque Du Soleil.
Para fãs de música em geral, fica um gostinho de “quero mais”. Seria interessante ver um trabalho similar em outras músicas do artista. Elvis Presley tem um vastíssimo repertório de lados B, no estilo Bossa Nova Baby, que poderiam ser explorados. Quem sabe esse disco seja uma forma de começarem a notar isso.