Veio como surpresa a notícia de que havia, na Inglaterra, um álbum de Elvis Presley no topo das paradas da Billboard. Sim, amigos, eu confesso que estava sem acompanhar notícias musicais do Rei do Rock há algum tempo. De fato, eu nem sabia desse álbum. E que grata surpresa quando o ouvi.
Não é de hoje que a gravadora de Elvis e produtores por aí tentam revisitar a música de Presley com novos arranjos. Na verdade, isso foi feito pela primeira vez há muito tempo. O LP Guitar Men, de 1980, foi uma primeira tentativa para isso, ainda feito pelo produtor Felton Jarvis, que já era o produtor da maioria dos discos de Elvis nos anos 1970. O LP trazia arranjos um pouco mais modernos (lembre-se que estamos falando de 1980) para diversas músicas de Elvis, a maioria gravadas originalmente na segunda metade da década de 1960 (com destaque para as sessões de Memphis em 1969).
Muitos anos se passaram até que algo no mesmo sentido fosse feito em grande escala novamente. Mas foi um sucesso enorme. A versão remixada de A Little Less Conversation, uma faixa lado B de um dos filmes de Presley, estourou nas paradas e levou Presley ao topo novamente, graças a um empurrão de uma campanha da Nike para a Copa do Mundo de 2002. Mais alguns anos se passaram, e a BMG resolveu replicar a fórmula com mais um remix, desta vez para Rubberneckin', outra música menos conhecida das sessões de Memphis em 1969. O arranjo foi interessante, mas o sucesso não chegou nem perto do remix anterior.
Em 2008, algo diferente foi feito. Um disco de duetos de Elvis com algumas de suas canções natalinas. Elvis Christmas Duets foi o primeiro disco do cantor em dueto, todos com cantoras do universo country. Os instrumentos foram todos regravados do zero, mas seguindo ao máximo os arranjos originais. Diferente de um remix, o resultado final foi um som mais atualizado, com pianos, guitarras, violões, baixos e afins refeitos, quase clonados, e na medida do possível mantendo os corais intactos. O resultado foi bastante interessante, na minha opinião - e você pode ver meu review aqui.
O próximo capítulo destas intervenções foi o disco baseado no show Viva Elvis de Las Vegas, um espetáculo fortemente inspirado no Love!, dos Beatles. Nesse caso, o CD traz faixas selecionadas do show que, diferente do CD de Natal citado anteriormente, foram inteiramente refeitas. "Elvis Presley com um som do século XXI", diz o álbum. Acordes, arranjos, sequências, tudo ali foi inteiramente mexido. Outtakes são misturados com trechos de ensaios, músicas diferentes são mescladas, enfim, é um experimento bastante diferente.
Ao longo dos anos, outras versões de canções surgiram por aí, como este remix de I Got A Feelin' in My Body - que eu achei que ficou bem ruim, ou o grandioso arranjo de "Always On My Mind", que supera, de longe, o simplório do original (aliás, este foi o primeiro disco do Elvis que comprei, em 1997). E o que dizer do bootleg Way Down Remixes?
Eis que, então, chegamos ao disco citado no título desse post. Diz Priscilla Presley, no encarte do CD, que Elvis sempre quis gravar com uma orquestra completa, mas limitações financeira e de espaço no palco não permitiram que isso fosse possível. Com If I Can Dream - Elvis Presley with Royal Philharmonic Orchestra, isso enfim acontece.
E, desta vez, mais do que em todas as empreitadas anteriores, eles acertaram em cheio.
Há alguns motivos para isso. Em primeiro lugar, a própria orquestra. Gravada nos estúdios da Abbey Road, o som é o mais puro possível. Alguns instrumentos dos takes originais permanecem, outros são refeitos no mesmo estilo, mas acima de tudo, os arranjos estão belíssimos e se encaixam muito bem com a voz de Presley.
Segundo, pela escolha de músicas. A seleção fugiu bastante do óbvio, com algumas exceções (como a já cansada Love Me Tender, que pela enésima vez recebe novos arranjos), mas trazendo pérolas pouco conhecidas pelo grande público, como There's Always Me e a soberba The Grass Won't Pay No Mind. Não é exagero dizer que algumas versões desse disco superam as gravadas originalmente.
Vamos, então, a uma análise faixa a faixa.
Burning Love - Também não é a primeira vez que experimentam com esse clássico do rock e último grande hit de Elvis em vida. Aqui, a grande surpresa vai para o início da faixa. A primeira vez que ouvi foi um grande susto. Há um enorme arranjo de cordas que sobe e vai preparando o tom para a entrada da guitarra que dá o mood para o começo das letras. Incrível, simples, grandioso, Burning Love é uma espetacular forma de começar o álbum;
It's Now Or Never - Aqui começo a falar da ótima seleção de músicas. It's Now Or Never é um clássico de Elvis do álbum Elvis Is Back! - provavelmente um dos melhores discos gravados pelo artista na carreira - que jamais foi mexido. Apesar de belíssima, convenhamos que se trata de uma música de 1960. Muita coisa melhorou de lá pra cá musicalmente falando. Sendo assim, uma versão orquestrada dessa música traz um frescor inimaginável. A doce e romântica voz de Elvis pós-exército se junta com uma orquestra contemporânea, atual e rica em instrumentos. Absolutamente incrível.
Love Me Tender - Aqui temos, ao meu ver, a primeira (e uma das maiores) decepção do disco. É complicado mexer nesse clássico - e já o fizeram mais vezes do que deviam. Love Me Tender, em seu arranjo original de 1956, é uma música extremamente simples e genial, combinando praticamente Elvis e um violão somente. A orquestra aqui não agregou e não combinou com a voz "antiga" de 1956. Outro ponto que me incomoda é a insistência desses artistas de trabalharem com a versão original da música. Seria muito mais interessante experimentar com a Love Me Tender de 1968, que traz mudanças de tom em cada verso, dando um ar muito mais grandioso e moderno para a música. Pena.
Fever - Rapidamente, o pessoal da orquestra se redime com essa maravilha. Fever é brilhante, mas aqui eles beberam da água de Michael Bublé, que gravou Fever com ares de big band há alguns anos e já deixou a música como sua marca registrada. Pois então, por que não trazer o próprio Bublé para cantar com Elvis? Foi o que fizeram, em um arranjo sublime - destaque para o início melancólico da faixa -, singular e que mistura brilhantemente o clássico de Presley com o contemporâneo de Bublé.
Bridge Over Troubled Water - Essa não é minha preferida do disco, mas também está belíssima. Ponto positivo é que descartaram a voz de Elvis do master da canção para usar um take das sessões originais de Nashville. A voz de Elvis está mais frágil e sensível aqui. A razão para uma euforia menor aqui é simples: esta é uma música que já tem um arranjo original com orquestras muito bem feito. Seria difícil superá-lo de qualquer maneira.
And The Grass Won't Pay No Mind - Mais um golaço da Royal. Uma das mais lindas canções de amor gravadas por Elvis, esse clássico de Neil Diamond quase não foi gravado por Elvis em 1969. Para nossa alegria, ele decidiu por fazê-la. Nunca fui fã do arranjo original, que exagera nas backing vocals, que quase cobrem a voz de Elvis. Quase sempre preferi as versões alternates, que são mais cruas. Aqui, enfim, essa linda música recebe o pano de fundo que tanto merece. Emocionante.
You've Lost That Lovin' Feelin' - Sentimentos mistos aqui. Primeiro, algo inédito: experimentar com uma música de Elvis gravada ao vivo em Las Vegas. O arranjo original é bem bonito. Tentaram superá-lo aqui, mas não sei ao certo se o conseguiram de fato. De qualquer forma, não compromete em nada o balanço do álbum. A única decepção fica para as novas backing vocals. Como assim tiraram as Sweet Inspirations??? Achei isso meio difícil de se acostumar.
There's Always Me - Lendo o encarte do livro, percebe-se que o maestro que conduziu a orquestra devia ser fã desse lado b de uma época onde Elvis já estava começando a ser esquecido pelo grande público nos anos 1960. Parte do nebuloso disco Something for Everybody, essa é mais uma entre tantas e tantas baladas de Elvis no decorrer dos anos 1960. É brilhante ver um som tão oxigenado em uma música tão doce.
Can't Help Falling In Love - Essa é minha música favorita de Elvis. Assim como Love Me Tender, qualquer tentativa de mexer com ela raramente dá certo. Viva Elvis tentou. Aqui também tentaram, e o resultado é satisfatório. Quem sabe também poderiam ter pensado em usar a versão do Comeback Special de 1968, como pensei para Love Me Tender.
In The Ghetto - De novo, trocaram as backing vocals. Achei esquisito. Mas o arranjo está belíssimo.
How Great Thou Art - Esse hino gospel de 1966 rendeu um Grammy a Elvis. Sua voz está única nesta faixa. Mais grave, arrastada, diferente de tudo que gravou depois ou antes. O arranjo da época era extremamente minimalista, com um sutil violino. Aqui, a Royal dá o peso que ela sempre pediu, resultando em uma versão absolutamente primorosa.
Steamroller Blues - Uma escolha bastante inesperada. Este blue foi executado por Elvis apenas em shows, normalmente com arranjos simples, como se espera de um blues, e maravilhosa participação das Sweet Inspirations, seu coral feminino, no verso final. Infelizmente, mais uma vez a versão atual retira as vozes femininas originais. O resultado ainda é positivo, mas em geral é a faixa mais fraca do disco.
An American Trilogy - A essência do arranjo original foi mantida, sem grandes alterações, apenas uma repaginada para ganhar toques mais atuais. A decepção, no entanto, fica para o trecho mais intimista da música, que continha originalmente uma flauta doce sensacional. Isso foi removido por algo como um trompete ou instrumento parecido. Perdeu o charme, na minha opinião. Outro ponto é que editaram o final da música, que nunca foi gravada em estúdio e sempre ao vivo, para terminar sem aplausos. Ficou estranho.
If I Can Dream - O que dizer deste sucesso tão propalado por aí de Elvis em 1968? Seu arranjo original já é bastante grandioso e especial, o que torna uma tentativa de torná-lo melhor uma missão bastante difícil. O resultado final é bastante interessante.
Conclusão - Se você não teve paciência de ler a análise faixa a faixa, comece direto daqui. O saldo final é altamente positivo. Este disco é uma excelente dica de presente para qualquer amante de boa música. Uma maneira mais contemporânea e ao mesmo tempo clássica de ouvir Elvis. Eu já gostaria que surgisse um volume 2, inclusive tenho sugestões. Que tal reinventar Fools Rush In, por exemplo, ou pegar experimentos do Rei com jazz nos anos 1960, como a obscura City by Night. Seria maravilhoso.
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