Sun Records: o quase santuário onde tudo começou
A cada batida de bateria sinto o pulsar tremer em minha alma. Meu olhos vibram ao ritmo das pulsantes mãos que comandam a baqueta. O pescoço, teima em sacudir-se levemente, quase tímido, escondendo a enorme vontade de mexer-se. Os braços, apoiados nas pernas, acompanham o baixo, tão discreto como importante. O olhar fixo do baixista, reverenciando a platéia de forma fria, porém tão intensa.
Calcanhares vão e vêm, compassados como numa sinfonia que percorre as veias do Rock'n Roll. Olhos, por vezes fecham, e dão a prioridade aos ouvidos, que se alimentam com a sonora casa noturna. Quando abrem, surge um olhar de admiração ingênua, quase infantil, que percorre cada movimento da banda. Erros são notados, e ressaltados - é a velha inveja que está intrínseca em nós - "não estou lá, mas eles erraram".
A língua se enrola com o inglês de letras ainda não inteiramente decoradas. Go, Johnny, Go costuma ser mais fácil. Alguns clássicos não são clássicos para todos. Mas, para mim, estão lá desde o começo. O vocalista, de regata, olha para o vazio enquanto, por aqueles segundos, imagine-se Jim Morrisson - Os movimentos com o microfone lembram mais Roberto Carlos.
Súbito, sinto ele olhar para mim. Será que sabe o que se passa pela minha cabeça? Será que tem a mais remota idéia do julgamento particular que imponho a cada um deles ali? Passaria por sua cabeça que eu não o considero grande coisa, mas ainda assim, desejo sua posição no palco? Imagino que ele não elocubre sequer um segundo sobre o nível de detalhismo de minhas paixões - no caso, a música. Como reparo em seus gestos e de seus colegas.
Os amigos e colegas que estão ali comigo tentam puxar conversa. "Tá tudo bem, Lu?" Está tudo ótimo. Estou apenas vivendo minha forma de meditação. Dou míseros segundos de atenção a eles, notadamente esboçando um sorriso amarelo por ter perdido parte de minha concentração.
Nas mais famosas, o corpo não resiste e pede pela sacudidela. Levanto e encosto no balcão. A voz não alcança os tons mais altos, mas no meu cenário, eles estão sempre em uma escala a menos. Minha voz já não é a mesma, aliás. Vem perdendo sua potência ao longo dos anos. As pernas e joelhos se mexem, em uma pobre e vazia tentativa de imitar as referências. Felizmente, a imensa maioria não faz a menor idéia do que estou fazendo ali. O vexame é menor.
O show terminou. Mas, as cifras, solos e gritos ainda ressoam em cada poro. Não foi um show inesquecível, nem mesmo original. Mas foi mais que suficiente para que a música reforce, pela centésima vez, sua certeza de que sou um viciado nela.
Ah, o Rock'n Roll...
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