O Amigo da Vez
(Um depoimento a favor do consumo - moderado - do álcool)
(Um depoimento a favor do consumo - moderado - do álcool)
O amigo da vez tem a noite desanimada. Nada é pior do que ver os amigos fumando e bebendo, e você nada pode fazer. Risadas, exageros, superlativos adjetivos que, aos seus tristonhos olhos, parecem descrições vãs do cotidiano alcóolico de todos nós. Água de côco, suco de soja, chá gelado, doses de soda, achocolatado e cerveja...sem álcool.
Ouvidos não ouvem da mesma forma. Sóbrios não têm noção do que fazem. São os vexatórios sorrisos amarelos de uma típica segunda às nove. Antibiótico, amniótico, meticorten, e é para quem? Fatídico, digesan, meu Deus, quem é fã?
Só eu tenho fome. Só eu escrevo. E, a minha volta, o cheiro de bourbon só não é mais forte que a pizza artificial que exala dos meus dedos. O sal na língua ainda é forte, e amortecido com a mais gelada das águas. A música que enaltece o sentimento gaudério preenche o ambiente. Pessoas sóbrias somente reparam em pequenos detalhes, como os que agora ocupam as linhas deste velho caderno emprestado.
Hino gaúcho à parte, quem faz a segunda voz nem sempre é o amigo da vez. Ficar sem beber dá o espaço dos quilos perdidos - ou não ganhos - para um vazio melancólico tão intenso que não possui formato ou dimensão. Entre uma faixa e outra, o som que por alguns segundos ocupa o local é dos meus traços incessantes. Tão incessantes quanto possantes e indecisos. Traços sóbrios de amendoim.
Palavras e laudas dão o tom desafinado do meu momento. A sobriedade machuca na alma, pega no corpo e se percebe no branco dos olhos . Minha mão esquerda denuncia os traços do grafite que vai aos poucos tornando-se mais escasso e mal acabado. Clássicos não são bem-vindos a toda hora.
A batida é rarefeita.
Ter o ar, é raro.
E tossir é só um efeito.
Essa batida é lenta.
É lenda.
Momentos de emoção que agora dominam olhos, boca, cabeça e coração dos bêbados. Só o sóbrio não tem coração. Impotente, assiste indefeso o teor alcóolico levar o bom humor janela afora. Garranchos não se misturam a lágrimas. Elas não têm por quê estar aqui.
Alcanço o tom em lá maior.
Dó, menor.
A impressão que vejo não conta. Não varre nada. De nada adianta o suor que agora teima em dividir o espaço entre madeira e carne.
Sou só, sou sobra, sou sóbrio.
Até certo ponto.