Sensação ruim # 3
Os últimos dias tinham sido complicados. Desde que voltara de férias, sempre terminava tudo de manhã correndo. Não tinha tempo para ler seu jornal com calma, para tomar um bom café, sequer para escovar os dentes. Chegar atrasado ao serviço tornara-se um desapontante hábito, que normalmente não fazia parte de sua rotina.
Pensando nisso e em qualidade de vida, decidiu então sacrificar míseros 10 minutos de seu sono em prol de mais tempo antes do trabalho. Ficou decidido que não seria mais 07h45, mas 07h35 a hora de despertar. Muito melhor, pensou. Mas, claro, só se saberia o resultado na hora do teste em si.
E ela chegou. Dia seguinte. 07h35, o velho toque de despertar anunciava, via seu celular, que era hora de mais um dia "de branco", como diziam seus pais. Acordou sonolento, como costumeiramente, mas lembrou-se rapidamente da sua nova resolução. E assim agiu durante o banho. Não vou demorar para ver se meu teste deu certo, pensava o rapaz enquanto ensaboava-se com força, mirabolando quase como um cientista prestes a descobrir uma importante cura.
Tudo dava certo. O banho, a toalha era a boa, e até o cabelo estava de bom humor aquele dia. Deu pouco trabalho para ficar como seu dono queria. Vestiu logo uma roupa, já olhando para o relógio e feliz por ver que seu plano estava funcionando à perfeição. Seria um dia inesquecível.
Desceu para o café ainda mais vibrante porque seu copo já estava cheio com o suco de laranja, até a boca. Em volta, papeis soltos de jornais do dia, que ele, enfim, teria tempo para, demoradamente, saborear enquanto comia e bebia sem preocupações com o relógio de pássaros a sua frente. Começaria pelo suco, que já estava cheio mesmo, para molhar a boca. O pão viria depois, quentinho e no ponto que ele gostava.
Não deu.
Quando foi pegar o copo de suco, úmido pela quantidade exacerbada de laranjas expremidas e depositadas ali, ele escorregou de sua mão de forma cruel, quase franciscana: a bebida foi parar perfeitamente em seu colo, molhando de uma só vez, no caminho, sanduíche, toalha, mesa, cadeira, camiseta, jeans e demais indumentárias masculinas.
Claro, havia pessoas ao seu redor, prontas para ajudar, rir ou ao menos esboçar uma reação. Não. Com um gesto com os dois braços, ele sinalizou"não falem nada". A casa permaneceu muda, enquanto o som da laranja fermentando em contato com o algodão das roupas era o máximo que se ouvia. Naquela fração de segundo, pensou em tudo que havia planejado, agora derramado ao chão como leite. A laranja, metáfora para sua vida, confusa, esparramada. Nada dava certo, tudo agia ao contrário do que queria. Que diabos, nada dá certo comigo, lamuriou. Pensou em chorar, apenas. Em desistir de sua vida e começar outra.
Em vez disso, subiu e tomou mais um banho (chegando atrasado ao trabalho de novo).